Diferenças Regionais de Tarifas: Como explicar?

Neste Tradução Tarifária, a Volt apresenta uma análise sobre as diferenças regionais de tarifa no país e mostra como é importante basear-se em fatos e dados para entender a questão e propor soluções estruturantes.

Qual a questão?

Até 1993, as tarifas no Brasil eram equalizadas, ou seja, tínhamos a mesma tarifa vigorando em todos os estados do país. No entanto, esse mecanismo de equalização gerou uma ineficiência muito grande no setor como um todo, inclusive com déficit bilionário, que precisou ser equacionado depois.


Ainda na década de 90, com a reforma do setor elétrico, as atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização começaram a ser desverticalizadas e as tarifas das distribuidoras passaram, então, a ser calculadas para cada área de concessão.


Durante muitos anos, as tarifas de regiões mais vulneráveis, sobretudo no Norte e Nordeste, estiveram baixas, em função de fatores como a baixa qualidade do serviço, devido ao pouco investimento. Essas concessões, em regra, apresentavam altos prejuízos, arcados pelos acionistas, especialmente a Eletrobras ou os governos estaduais.


Com as privatizações realizadas ao longo dos anos, todas as concessionárias das regiões N/NE estão, atualmente, sob controle privado.


Contudo, esse processo trouxe à tona uma outra questão: as tarifas passaram a ser reajustadas individualmente para cada concessão e foram se diferenciando bastante ao longo do tempo, por diversos motivos, como veremos a seguir.


Compreendendo a Composição da Tarifa


Para entender o problema das altas tarifas e as diferenças regionais, primeiramente, é preciso compreender a composição da tarifa e como cada componente pode afetá-la.


A tarifa final para o consumidor é composta por 5 grandes custos: Energia (Geração), Transporte (Transmissão), Distribuição, Encargos e Tributos.


A Volt calculou a participação de cada componente tarifário na conta de energia e a apresenta na figura abaixo:

É importante entender que alguns desses componentes têm influência direta dos custos locais de cada área de concessão. Outros, porém, independem da região geográfica onde está localizada a concessão, conforme listamos abaixo:


  •  Geração: os custos com a compra de energia são, em sua maior parte, resultantes de leilões públicos, sem nenhuma ação direta da Distribuidora local que afete seus valores. No entanto, outros fatores podem diferenciá-los em cada concessão.


Por exemplo, a existência de contratos bilaterais não negociados via leilão, em alguns casos, pode impor custos bastante elevados. A estratégia de contratação da distribuidora também pode ter efeitos diferentes, eventualmente provocando sobrecontratação, que também será um custo para o consumidor. Há, ainda, os contratos em forma de cotas, como Itaipu, que afeta apenas as regiões S/SE/CO; as nucleares Angra I e II; e as Cotas de Garantia Física, que vem sendo descotizada, em função da privatização do controle da Eletrobras.


  •  Transmissão: os custos de transmissão, em sua maior parte, funcionam como um grande condomínio, sendo rateados por todos os consumidores do país. Assim, não há ação direta da distribuidora local nessa parcela de custo. As diferenças regionais podem se dar em função da regulamentação como, por exemplo, o sinal locacional de custos que tende a transferir parte de custos – hoje alocados aos consumidores do N/NE – para os consumidores do S/SE/CO.


  •  Distribuição: este custo depende das condições locais, sendo afetado pela quantidade, densidade e tipos de consumidores. Assim, investimentos nas redes locais afetam diretamente a tarifa da concessão. É o custo que melhor explica as principais diferenças entre regiões, mas não o único, como veremos adiante.



  •  Encargos: uma parte dos encargos pode ser diferente nas regiões, como é o caso da CDE, outra parte, é diferenciada por ser paga somente pelos consumidores cativos e outra parte, ainda, é distribuída igualmente para todos os consumidores, inclusive, entre livres e cativos. De forma geral, diversas políticas definidas para o setor elétrico são implementadas por meio dos encargos setoriais.


  •  Tributos: por fim, na conta de energia incide um tributo estadual, o ICMS, dois federais, o PIS e a Cofins, e uma contribuição municipal, a CIP – Contribuição de Iluminação Pública. PIS/Cofins tem a mesma alíquota em todo o país. Já o ICMS, varia de um estado para outro e, embora já tenha sido muito diferente, atualmente estão quase todos em torno de 18%. A CIP depende da prefeitura local e da sua eficiência na prestação desse serviço.

 

Como estão as tarifas no país?


A figura abaixo nos mostra um mapa de calor com a distribuição de tarifas pelo país e que já considera os resultados preliminares de processos tarifários, ou seja, reajustes e revisões tarifárias, que ainda estão em andamento:

Na tabela a seguir temos as tarifas médias residenciais por região.

Tarifas altas x regiões vulneráveis


Para analisar melhor a questão de tarifa e regiões vulneráveis, a Volt levantou informações de cada estado, relacionando a tarifa com o Índice de Desenvolvimento Humano – IDHM Renda (2021). O resultado é apresentado na figura abaixo:

Como é possível observar, embora todos os estados do N/NE estejam abaixo da média Brasil de IDHM Renda (0,724), metade de seus estados tem tarifas acima da média nacional…


Na Região Norte a situação é ainda pior, em que a maioria dos estados figura no quadrante de maior tarifa e menor IDHM.


Já regiões mais desenvolvidas economicamente, com alto IDHM, estão no quadrante de menor tarifa.


Aqui, vale uma ressalva importante. Ainda que um estado possa ter um IDHM mais elevado, pode ter localidades com índices baixos, como por exemplo a Light que, notoriamente, tem uma parte importante de sua concessão em regiões vulneráveis.

Portanto, o problema de assimetria de tarifa pode ocorrer entre concessões e dentro da mesma concessão.


Quais as principais causas das diferenças regionais?


Entender plenamente as causas-raízes das diferenças regionais não é tarefa elementar, pois cada componente da tarifa tem efeito diverso de uma região para outra.


Para explorar um pouco os componentes das tarifas, vamos traçar gráficos para alguns deles, identificando as regiões do país por cores para investigar se há algum padrão sugerido.


Ao se observar a tarifa de distribuição (TUSD Fio B) das diversas concessionárias brasileiras, conforme a figura abaixo, têm-se no topo alguns estados já esperados, mas a razão de a Enel RJ estar entre as primeiras não é a mesma do Pará e da Bahia, por exemplo. No caso da distribuidora carioca, uma das causas está nos pesados investimentos feitos em combate às perdas de energia por furto.

Legenda: Roxo (Norte); Laranja (Nordeste); Verde (Centro-Oeste); Amarelo (Sudeste); Azul (Sul).

Quando se observa o custo da energia (TE Energia), o padrão muda e empresas que estavam no topo da lista anterior já se apresentam entre as menores, mostrando uma correlação até negativa com a TUSD Fio B, conforme a figura a seguir.

Legenda: Roxo (Norte); Laranja (Nordeste); Verde (Centro-Oeste); Amarelo (Sudeste); Azul (Sul).

Da mesma forma, quando se observa o custo de transmissão, apenas com a Rede Básica (TUSD RB), não se vê nenhuma relação, seja com a TUSD Fio B, seja com a TE Energia. 

Legenda: Roxo (Norte); Laranja (Nordeste); Verde (Centro-Oeste); Amarelo (Sudeste); Azul (Sul).

Como se observa nas figuras anteriores, através das cores identificando as regiões, fica evidente que a região não explica os custos. Isso fica ainda mais claro ao se observar o quadro abaixo, em que as células vermelhas são as de valores mais altos e as verdes de valores mais baixos.


De forma geral, não se tem concessões com todas as principais componentes mais altas ou com todas mais baixas.


Este rápido exemplo mostra que decisões que busquem reduzir diferenças regionais precisam ser baseadas em fatos e dados para se ter uma visão completa de cada componente da tarifa.


Entender as causas da evolução tarifária de cada concessão remete a conhecer a história dessa concessão, em que momento de maturidade ela está quanto ao crescimento de seu mercado e aos níveis de qualidade, bem como compreender o modelo de regulação e os incentivos existentes.


Ações voltadas apenas a um componente podem ser pouco efetivas. Um exemplo que ilustra bem isso é a distribuição de encargos entre as regiões, onde pode se ter consumidores de alta renda de uma região pagando menos que consumidores de baixa renda em outras regiões.


Quais são as alternativas?


Em geral, as ações para redução de tarifas são focadas nos encargos, com transferência entre concessões ou na parcela de distribuição, em muitas vezes, apenas com diferimentos de custos, ou seja, postergando o pagamento de um ano para outro.


Contudo, a mera transferência de custos é solução paliativa que não resolve o problema. Quando a conta é alta demais, remédio outro não há que a redução de custos de uma forma geral...


Neste sentido, algumas questões precisam ser consideradas, como por exemplo:


  •  Energia: a questão da sobrecontratação gera um custo adicional ao consumidor, sem qualquer benefício associado. Em processos tarifários recentes, este custo chegou a 10% de efeito na tarifa.


  •  Transmissão: nesta parcela, não há como reduzir o que já está em operação, com exceção da parte chamada RBSE – explicada no Tradução Tarifária nº 06 – que terá uma forte redução em alguns anos. Porém, o ritmo de crescimento desses ativos tem sido acelerado e é preciso que o planejamento – para além de considerar o aspecto de segurança do sistema – tenha no radar essa componente de custo e o impacto tarifário que ela implicará;


  •  Distribuição: o modelo atual é focado em investimentos, origem da remuneração das empresas. Focar na qualidade do serviço e remunerar mais por isso pode ser uma alternativa no aprimoramento do modelo atual;


  •  Encargos: se nada for feito, os encargos vão continuar subindo...


A CDE, por exemplo, pode chegar a R$ 40 bilhões até 2025, conforme estudo da Volt. (confira a reportagem neste link). Neste sentido, é urgente que se tenha uma racionalização dos encargos.

Traduzindo...


A assimetria de tarifas entre as regiões é uma questão complexa e torna-se mais evidente à medida que locais menos desenvolvidos passam a ter as maiores tarifas, em sentido contrário à capacidade de pagamento geral dos consumidores.


É possível buscar aprimoramentos legislativos e regulatórios para a formação das tarifas, contudo é importante reforçar que se deve caminhar para soluções de mercado, sem a criação de novos subsídios e encargos setoriais que, no final do dia, acabam por agravar o prejuízo a todos os consumidores.


Além disso, como mostrado, as causas dessas diferenças são diversas e todas as mudanças devem se basear em fatos e dados que iluminem plenamente e enfrente a questão, sem criar outros efeitos indesejados.


A Volt acompanha toda a evolução tarifária, bem como as mudanças regulatórias para manter você sempre atualizado(a). Caso ainda tenha alguma dúvida, entre em contato com a gente; teremos prazer em falar contigo!


Um grande abraço e até o próximo Tradução Tarifária da Volt Robotics.


tarifa@voltrobotics.com.br